21/09/2014

Fernando pessoa Heterónimos : Álvaro de Campos

Álvaro de Campos



Álvaro de Campos surge quando Fernando Pessoa sente “um impulso para escrever”. O próprio Pessoa considera que Campos se encontra no «extremo oposto, inteiramente oposto, a Ricardo Reis”, apesar de ser como este um discípulo de Caeiro.
Campos é o “filho indisciplinado da sensação e para ele a sensação é tudo. O sensacionismo faz da sensação a realidade da vida e a base da arte. O eu do poeta tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de existir.
Este heterónimo aprende de Caeiro a urgência de sentir, mas não lhe basta a «sensação das coisas como são»: procura a totalização das sensações e das percepções conforme as sente, ou como ele próprio afirma “sentir tudo de todas as maneiras”.
Engenheiro naval e viajante, Álvaro de Campos é figurado “biograficamente” por Pessoa como vanguardista e cosmopolita, espelhando-se este seu perfil particularmente nos poemas em que exalta, em tom futurista, a civilização moderna e os valores do progresso.
Cantor do mundo moderno, o poeta procura incessantemente “sentir tudo de todas as maneiras”, seja a força explosiva dos mecanismos, seja a velocidade, seja o próprio desejo de partir. “Poeta da modernidade”, Campos tanto celebra, em poemas de estilo torrencial, amplo, delirante e até violento, a civilização industrial e mecânica, como expressa o desencanto do quotidiano citadino, adoptando sempre o ponto de vista do homem da cidade.
O drama de Álvaro Campos concretiza-se num apelo dilacerante entre o amor do mundo e da humanidade; é uma espécie de frustração total feita de incapacidade de unificar em si pensamento e sentimento, mundo exterior e mundo interior. Revela, como Pessoa, a mesma inadaptação à existência e a mesma demissão da personalidade íntegra., o cepticismo, a dor de pensar e a nostalgia da infância.

 

Biografia

·        Nasce em Tavira, em 1890
·        Estuda engenharia mecânica e naval na Escócia
·        “Filho indisciplinado da sensação e para ele a sensação é tudo. O sensacionismo faz da sensação a realidade da vida e a base da arte.”
·        “Sentir tudo de todas as maneiras”
·        Vanguardista e cosmopolita
·        Único heterónimo que comparticipa da vida extra literária de Fernando Pessoa heterónimo


Fases

     Primeira – decadentismo (1914)
Eprime o tédio, o cansaço e a necessidade de novas sensações (“Opiário”); o decadentismo surge como uma atitude estética finissecular que exprime o tédio, o enfado, a náusea, o cansaço, o abatimento e a necessidade de novas sensações. Traduz a falta de um sentido para a vida e a necessidade de fuga à monotonia. Com rebuscamento, preciosismo, símbolos e imagens apresenta-se marcado pelo Romantismo e pelo Simbolismo.
·       Tédio, cansaço, necessidade de novas sensações
·       Falta de um sentido para a vida
·       Romantismo e simbolismo
·       Nostalgia
·       Saturação
·       Embriaguez do ópio
·       Horror à vida
·       Realismo satírico
·       Vocabulário precioso e vulgar
·       Imagens
·       Símbolos
·       Estilo confessional brusco
·       Decassílabos agrupados em quadras
·       “Opiário “

Segunda – Futurismo (1914 a 1916)
Nesta fase, Álvaro de Campos celebra o triunfo da máquina, da energia mecânica e da civilização moderna. Sente-se nos poemas uma atracção quase erótica pelas máquinas, símbolo da vida moderna. Campos apresenta a beleza dos “maquinismos em fúria” e da força da máquina por oposição à beleza tradicionalmente concebida. Exalta o progresso técnico, essa “nova revelação metálica e dinâmica de Deus”. A “Ode Triunfal” ou a “Ode Marítima” são bem o exemplo desta intensidade e totalização das sensações. A par da paixão pela máquina, há a náusea, a neurastenia provocada pela poluição física e moral da vida moderna.
·        Elogio da civilização industrial e da técnica
·        Triunfo da máquina, beleza dos “maquinistas em fúria”
·        Intelectualização das sensações, delírio sensorial
·        Não aristotélica
·        Sado masoquismo
·        Cantar lúcido do mundo moderno
·        Influência de Walt Whitman
·        Vertigem das sensações modernas
·        Volúpia da imaginação
·        Hipertrofia ilimitada do eu
·        Energia explosiva
·        Impulsos inconscientes
·        Verso livre, longo
·        Estilo esfuziante, torrencial
·        Anáforas, exclamações, interjeições, apóstrofes e enumerações
·        Fantasia verbal
·        Volúpia de ser objecto
·        Vítima
·        Dispersão
·        “Ode triunfal”

Terceira fase –  pessoal ou intimista (1916 a 1935)
Perante a incapacidade das realizações, traz de volta o abatimento, que provoca “Um supremíssimo cansaço, /íssimo, íssimo, íssimo, /Cansaço…”. Nesta fase, Campos sente-se vazio, um marginal, um incompreendido. Sofre fechado em si mesmo, angustiado e cansado. (“Esta velha angústia”; “Apontamento”; “Lisbon revisited”).
·       Melancolia
·       Devaneio
·       Cosmopolitismo
·       Cepticismo
·       Dor de pensar
·       Saudades da Infância ou do Irreal
·       Dissolução do eu
·       Conflito entre a realidade e o poeta
·       Cansaço, tédio e abulia
·       Angustia existencial
·       Solidão
·       “Aniversário” e a “Tabacaria”


Traços da sua poesia

·        Poeta modernista
·        Poeta sensacionista
·        Cultor das sensações sem limite
·        Poeta de verso livre
·        Poeta de angustia existencial e da auto ironia

Traços estilísticos

·        Verso livre em geral muito longo
·        Assonâncias, onomatopeias, aliterações
·        Grafismos expressivos
·        Mistura de níveis de língua
·        Enumerações excessivas, exclamações, interjeições e pontuação emotiva
·        Desvios sintácticos
·        Estrangeirismos e neologismos
·        Subordinação de fonemas
·        Construções nominais, infinitivas e gerundivas
·        Metáforas ousadas, oximoros,  personificações, hipérboles
·        Estética não aristélica na fase futurista.


Quadro-Síntese:
Temáticas
Estilísticas


-         Apologia da civilização mecânica, da indústria, da técnica (futurismo e sensacionismo): tentativa de romper com o subjectivismo da lírica tradicional
-         Atitude escandalosa, chocante: trangressão de uma atitude moral estabeleciada
-         Traços de anti-filosofia e anti-poesia
-         Sadismo e masoquismo
-         Ilusão: sonho; retorno impossível à infância; viagem
-         Mais evolutivo que qualquer dos outros heterónimos (três fases)
-         Última fase: conflito realidade/poeta: cansaço existencial, náusea, tédio, abulia; estranheza da realidade solidão; isolamento; dissolução do “eu”; ritmo lento


-         Exclamação, apóstrofe repetida, interjeição, gradação (ascendente e descendente)
-         Repetição, simetria de construção, assonância, aliteração, rima interior, enumeração desordenada, polissíndeto
-         Construções nominais e infinitivas
-         Verso livre e, em geral, muito longo ( duas ou três linhas) e com encavalgamento
-         Onomatopeia
-         Grafismo inovador
-         Oxímoro
-         Uso expressivo da pontuação: exclamação, interrogação, reticências
-         Estrangeirismos, neologismos e susbstantivação de fonemas
-         Metáfora, personificação e hipérbole









“Mensagem” vs. “Os Lusíadas”

Semelhanças: concepção mística e missionária/missionante da história portuguesa, preocupação arquitectónica: ambas obedecem a um plano cuidadosamente elaborado, o reverso da vitória são as lágrimas.
Diferenças:
۰        Os Lusíadas foram compostos no início do processo de dissolução do império e Mensagem publicada na fase terminal de dissolução do império;
۰        Os Lusíadas têm um carácter predominantemente narrativo e pouco abstractizante, enquanto que Mensagem tem um carácter menos narrativo e mais interpretativo e cerebral;
۰        no primeiro o Adamastor é sinónimo de lágrimas e mortes, sofrimento e audácia que as navegações exigiram, enquanto que no segundo simboliza os medos e terrores vencidos pela ousadia;
۰        nos Lusíadas o tema é o real, o histórico, o factual (os acontecimentos, os lugares), em Mensagem o tema é a essência de Portugal e a necessidade de cumprir uma missão;
۰        para Camões os deuses olímpicos regem os acidentes e as peripécias do real quotidiano, para Pessoa os deuses são superados pelo destino, que é força abstracta e inexorável;
۰        nos Lusíadas os heróis são pessoas com limitações próprias da condição humana, mesmo se ajudados nos sonhos pela intervenção divina cristã ou pelos deuses do Olimpo, em Mensagem os heróis são mitificados e encarnam valores simbólicos, assumindo proporções gigantescas;
۰        Lusíadas: narrativa comentada da história de Portugal, Mensagem: metafísica do ser português; Lusíadas: heróis e mitos que narram as grandezas passadas. Mensagem: heróis e mitos que exaltam as façanhas do passado em função de um desesperado apelo para grandezas futuras;
A comparação entre "Os Lusíadas" e a "Mensagem" impõe-se pelo próprio facto de esta ser, a alguns séculos de distância e num tempo de decadência - o novo mito de pátria portuguesa.


 

Os Lusíadas



Mensagem
ü  Homens reais com dimensões heróicas mas verosímeis;

ü  Heróis de carne e osso, bravos mas nunca infaliveís;
ü  Heróis mitificados, desincarnados, carregando dimensões simbólicas

v          Brasão ® Terra ® Nun’Álvares Pereira
v          Mar Português ® Mar ® Infante D. Henrique
v          O encoberto ® Ar ® D. Sebastião

(de uma terra de dimensões conhecidas parte-se à descoberta do mar e constrói-se um império. Depois o império se desfez e o sonhos e o Encoberto são a raiz a esperança de um Quinto Império)
ü  Herói colectivo: o povo português
ü  Virtudes e manhas

ü  Heróis individuais exemplares (símbolos)

ü  D. Sebastião (rei menino) a quem Os Lusíadas são dedicados;
“tenro e novo ramo”            

ü  D. Sebastião mito “loucura sadia”
Sonho, ambição
(repare-se que d. Sebastião é a última figura da história a ser mencionada, como se  quisesse dizer que Portugal mergulhou, depois do seu desaparecimento num longo período de letargia)

ü  Celebração do passado – história
ü  Glorificação do futuro – símbolos
ü  Messianismo a mola real de Portugal
ü   
ü  Narrativa comentada da história de Portugal (cf. Jorge Borges de Macedo)
Teoria da história de Portugal
ü  Metafísica do Ser português
ü  Três mitos basilares:
o   Adamastor
o   Velho do restelo
o   A ilha dos amores
ü  Tudo é mito
“o mito é o nada que é tudo”



ü  acção
ü  contemplação
ü  altiva rejeição do real
ü  império feito e acabado
ü  Portugal indefinido, atemporal
ü   
ü  Saudade profética ® saudades do futuro
ü  Façanhas dos barões assinalados
ü  Matéria dos sonhos
ü  Temporalidade

ü  Atemporalidade mística
ü  Síntese pagão e cristão
ü  Síntese total (sincretismo religioso)
ü  D. Sebastião como enviado de Deus para alargar a Cristandade
ü   Portugal como instrumento de Deus
(os heróis cumprem um destino que os ultrapassa)
ü  cabeça da Europa
ü  Rosto da Europa que aguarda expectante o que virá


O projecto da Mensagem é o de superar o carácter obsessivo e nacional d’Os Lusíadas no imaginário mítico-poético nacional. Os Lusíadas conquistaram o título de “evangelho nacional” e foram elevados à categoria de símbolo nacional. A Mensagem logo no seu título aponta para um novo evangelho, num sentido místico, ideia de missão e de vocação universal. O próprio título indicia uma revelação, uma iniciação.
Pessoa previa para breve o aparecimento do “Supra-Camões” que anunciará o “Supra-Portugal de amanhã”, a “busca de uma Índia Nova”, o tal “porto sempre por achar”.
          A Mensagem entrelaça-se, através de um complexo processo intertextual, com Os Lusíadas, que por sua vez são já um reflexo intertextual da Eneida  e da Odisseia. Estabelece-se portanto um diálogo que perpassa múltiplos tempos históricos. Pessoa transforma-se num arquitecto que edifica uma obra nova, com moderbnidade, mas também com a herança da memória.
  Em Camões memória e esperança estão no mesmo plano. Em Pessoa, o objecto da esperança transferiu-se para o sonho, daí a diferente concepção de heroísmo.
Pessoa identifica-se com os heróis da Mensagem ou neles se desdobra num processo lírico-dramático. O amor da pátria converte-se numa atitude metafísica, definivel pela decepção do real, por uma loucura consciente. Revivendo a fé no Quinto Império, Pessoa reinventou um razão de ser, um destino para fugir a um quotidiano
absurdo.
           O assunto da Mensagem é a essência de Portugal e a sua missão por cumprir. Portugal é reduzido a um pensamento que descarna e espectraliza as personagens da história nacional.
          A Mensagem é o sonho de um império sem fronteiras nem ocaso. A viagem real é metamorfoseada na busca do “porto sempre por achar”.

“A Mensagem comparada com Os Lusíadas é um passo em frente. Enquanto Camões, em Os Lusíadas, conseguiu fazer a síntrese entre o mundo pagão e o mundo cristão, Pessoa na Mensagem conseguiu ir mais longe estabelecendo uma harmonia total, perfeita, entre o mundo pagão, o mundo cristão e o mundo esotérico.”

Quadro-Síntese

Temáticas
Estilísticas
Nível Fónico
Nível Morfossintático e semântico
-         Nacionalismo mítico
-         Sebastianismo e saudosismo
-         Simbolismo templário e rosacruciano
-         A ideia de predestinação nacional
-         A mitificação dos heróis
-         Intuição de um destino colectivo
-         Ocultismo procura de uma correspondência entre o visível e o invisível
- musicalidade:
-          Rima
-          Ritmo
-          Aliteração
-         Versificação        regular e tradicional:  variedade atrófica, com predomínio da quadra e da quintilha
-          Encavalgamento
-         expressão épico-lírica
-         linguagem metafórica, aforística, solene, simbólica
-         paradoxo, antítese e oxímoro
-         hiperbarto




Mensagem

Contextualização
q  Integração de Mensagem no universo poético Pessoano:
Integra-se na corrente modernista, transmitindo uma visão épico-lírica do destino português, nela se salientando o Sebastianismo, o Mito do Encoberto e o V Império.

Criar um novo Portugal, ou melhor, ressuscitar a Pátria Portuguesa, arrancando-a do túmulo onde a sepultaram alguns séculos de obscuridade (...) E isto leva a crer que deve estar para breve o inevitável aparecimento do poeta ou poetas supremos [...] porque fatalmente o Grande Poeta, que este movimento gerará, deslocará para segundo plano a figura até aqui principal de Camões

            A citação transcrita aponta, logo de início, para o estado de desagregação em que se encontra a Nação portuguesa e que, de algum modo, fará despoletar a ânsia de renovação desejada por Fernado Pessoa e operacionalizada nos textos da Mensagem.
            Fernando Pessoa acreditava que, através dos seus textos, poderia despertar as consciências e fazê-las acreditar e desejar a grandeza outrora vivenciada. Espera poder contribuir parar o reerguer da Pátria, relembrando, nas 1ª e 2ª partes da Mensagem, o passado histórico grandioso e anunciando a vinda do Encoberto (3ª parte), na figura mítica de D. Sebastião, que anunciaria o advento do Quinto Império.
            Preconizava para Portugal a construção de um novo império, espiritual, capaz de elevar os Portugueses ao lugar de destaque que outrora ocuparam a nível mundial. Esta projecção ficar-se-ia a dever a um “poeta ou poetas supremos” que, pela sua genialidade, colocariam Portugal, um país culturalmente evoluído, como líder de todos os outros.
            Na realidade, Fernando Pessoa antevê a possibilidade da supremacia de Portugal, não em termos materiais, como no tempo de Camões, mas em termos espirituais É nesta nova concepção de Império que assenta o carácter simbólico e mítico que enforma a epopeia pessoana e que, inevitavelmente, destacará a figura deste superpoeta, em detrimento da de Camões.


O Sebastianismo
            O sebastianismo é um mito nacional de tipo religioso.
«D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco...»
O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em volta duma figura nacional, no sentido dum mito. No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la com o regresso dele, regresso simbólico ( como, por um mistério espantoso e divino, a própria vida dele fora simbólica ( mas em que não é absurdo confiar. D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa indica, evidentemente, um renascimento anuviado por elementos de decadência, por restos da Noite onde viveu a nacionalidade.

ü  D. Sebastião não morreu porque os símbolos não morrem. O desaparecimento físico de D. Sebastião proporciona a libertação da alma portuguesa.

ü  D. Sebastião aparece cinco vezes explicitamente na Mensagem (uma vez nas Quinas, outra em Mar português e três vezes nos Símbolos).
Aliás, pode mesmo dizer-se que o Brasão e o Mar português são a preparação para a chegada do Encoberto, na sua qualidade de Messias de Portugal.

D. Sebastião faz uma espécie de elogio da loucura (condenação da matéria e sublimação do espírito)

A vinda do Encoberto era apenas por ele encarada «no seu alto sentido simbólico» e não literal, como faziam os Sebastianistas tradicionais, de quem toma distância, e que esse Desejado não seria mais do que um «estimulador de almas
            O Quinto Império era afinal «o Império Português, subordinado ao espírito definido pela língua portuguesa
O Quinto Império será «cultural», ou não será. E se diz, como Vieira, que o Império será português, isso significa que Portugal desempenhará um papel determinante na difusão dessa ideia apolínea e órfica do homem que toda a sua obra proclama.


Os Símbolos e os Mitos
q  Estrutura simbólica de Mensagem
Mensagem é a expressão poética dos mitos – não se trata de uma narrativa sobre os grandes feitos dos portugueses no passado, como em Os Lusíadas, mas sim, de um cantar de um Império de teor espiritual, da construção de uma supra-nação, através da ligação ocidente/oriente: não são os factos históricos propriamente ditos sobre os nossos reis que mais importam; são sim as suas atitudes e o que eles representam, sendo o assunto de Mensagem a essência de Portugal e a sua missão a cumprir. Daí se interpretem as figuras dos reis nos poemas de Mensagem como heróis mas mais que isso, como símbolos, de diferentes significados.

O três é um número que exprime a ordem intelectual e espiritual (o cosmos no homem). O 3 é a soma do um (céu) e do dois (a Terra). Trata-se da manifestação da divindade, é a manifestação da perfeição, da totalidade.

O sete assume também uma extrema relevância, senão vejamos, sete foram os Castelos que D. Afonso III conquistou aos mouros, sete são os poemas de Os Castelos .
O sete corresponde aos 7 dias da criação, assim como as 7 figuras evocadas são também as fundadoras da nacionalidade (Ulisses fundou Lisboa, Viriato uma nação, Conde D. Henrique um Condado, D. Dinis uma cultura, D. João uma dinastia, D. Tareja e D. Filipa fundaram duas dinastias). Pessoa manteve na sua obra a ideia do número sete como número da criação. O sete é o número da perfeição dinâmica. É o número de um ciclo completo.

O cinco está ligado às chagas de Cristo, às Quinas e aos cinco impérios sonhados por Nabucodonosar. Os quatro impérios já havidos foram a Grécia, roma, a Cristandade e a Europa pós-renascentista. Se o 5º império fosse material, Pessoa não teria dúvidas em apontar Inglaterra, mas como o 5º Império é o do ser, da essência, do imaterial, o poeta não tem dúvidas em apontar Portugal.

Também os nomes dados a cada parte e alguns nomes referidos nos poemas são também simbólicos:
       Brasão: o passado inalterável
       Campo: espaço de vida de de acção
       Castelo: refúgio e segurança
       Quinas: chagas de Cristo – dimensão espiritual
       Coroa: perfeição e poder
       Timbre: marca – sagração do herói para missão transcendente
       Grifo: terra e céu – criação de uma obra terrestre e celeste
       Mar: vida e morte; ponto de partida; reflexo do céu; princípio masculino
       Terra: casa do homem; espelho do céu; paraíso mítico; princípio feminino
       Padrão: marco; sinal de presença; obra da civilização cristã
       Mostrengo: o desconhecido; as lendas do mar; os obstáculos a vencer
       Nau: viagem; iniciação; aquisição de conhecimentos
       Ilha: refúgio espiritual; espaço de conquista; recompensa do sacrifício
       Noite: morte; tempo de inércia; tempo de germinação; certeza da vida
       Manhã: luz; felicidade; vida; o novo mundo
Nevoeiro: indefinição; promessa de vida; força criadora; novo dia

Síntese Temática da “Mensagem”
         O mito é tudo: sem ele a realidade não existe, pois é dele que ela parte
         Deus é o agente da história; ou seja, é ele quem tem as vontades; nós somos os seus instrumentos que realizam a sua vontade. É assim que a obra nasce e se atinge a perfeição
         O sonho é aquilo que dá vida ao homem: sem ele a vida não tem sentido e limita-se à mediocridade
         A verdadeira grandeza está na alma; É através do sonho e da vontade de lutar que se alcança a glória
         Portugal encontra-se num estado de decadência. Por isso, é necessário voltar a sonhar, voltar a arriscar, de modo a que se possa construir um outro império, um império que não se destrói, por não ser material: é o Quinto Império, o Império Civilizacional-Espiritual.
         D.Sebastião, além de ser o exemplo a seguir(pois deixa-se levar pela loucura/sonho), é também visto como o salvador, aquele que trará de novo a glória ao povo português e que virá completar o sonho, cumprindo-se assim Portugal.

A estrutura tripartida da “Mensagem”
1ª Parte – BRASÃO: o princípio da nacionalidade (em que fundadores e antepassados criaram a pátria)
ü  “Ulisses” – símbolo da renovação dos mitos: Ulisses de facto não existiu mas bastou a sua lenda para nos inspirar. A lenda, ao penetrar na realidade, faz o milagre de tornar a vida “cá em baixo” insignificante. É irrelevante que as figuras de quem o poeta se vai ocupar tenham tido ou não existência histórica! (“Sem existir nos bastou/Por não ter vindo foi vindo/E nos criou.”). O que importa é o que elas representam. Daí serem figuras incorpóreas, que servem para ilustrar o ideal de ser português.
ü  “D. Dinis” – símbolo da importância da poesia na construção do Mundo: Pessoa vê D. Dinis como o rei capaz de antever o futuro e interpreta isso através das suas acções – ele plantou o pinhal de Leiria, de onde foi retirada a madeira para as caravelas, e falou da “voz da terra ansiando pelo mar”, ou seja, do desejo de que a aventura ultrapasse a mediocridade.
ü  “D. Sebastião, rei de Portugal” – símbolo da loucura audaciosa e aventureira: o Homem sem a loucura não é nada; é simplesmente uma besta que nasce, procria e morre, sem viver! Ora, D. Sebastião, apesar de ter falhado o empreendimento épico, FOI em frente, e morreu por uma ideia de grandeza, e essa é a ideia que deve persistir, mesmo após sua morte (“Ficou meu ser que houve, não o que há./Minha loucura, outros que a tomem/Com o que nela ia.”)

2ª Parte – MAR PORTUGUÊS: a realização através do mar (em que heróis empossados da grande missão de descobrir foram construtores do grande destino da Nação)
ü  “O Infante” – símbolo do Homem universal, que realiza o sonho por vontade divina: ele reúne todas as qualidades, virtudes e valores para ser o intermediário entre os homens e Deus (“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”)
ü  “Mar Português” – símbolo do sofrimento por que passaram todos os portugueses: a construção de uma supra-nação, de uma Nação mítica implica o sacrifício do povo (“Ó mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal!”)
ü  “O Mostrengo” – símbolo dos obstáculos, dos perigos e dos medos que os portugueses tiveram que enfrentar para realizar o seu sonho: revoltado por alguém usurpar os seus domínios, “O Mostrengo” é uma alegoria do medo, que tenta impedir os portugueses de completarem o seu destino (“Quem é que ousou entrar/Nas minhas cavernas que não desvendo,/Meus tectos negros do fim do mundo?”)

3ª Parte – O ENCOBERTO: a morte ou fim das energias latentes (é o novo ciclo que se anuncia que trará a regeneração e instaurará um novo tempo)
ü  “O Quinto Império” – símbolo da inquietação necessária ao progresso, assim como o sonho: não se pode ficar sentado à espera que as coisas aconteçam; há que ser ousado, curioso, corajoso e aventureiro; há que estar inquieto e descontente com o que se tem e o que se é! (“Triste de quem vive em casa/Contente com o seu lar/Sem um sonho, no erguer da asa.../Triste de quem é feliz!”) O Quinto Império de Pessoa é a mística certeza do vir a ser pela lição do ter sido, o Portugal-espírito, ente de cultura e esperança, tanto mais forte quanto a hora da decadência a estimula.
ü  “Nevoeiro” – símbolo da nossa confusão, do estado caótico em que nos encontramos, tanto como um Estado, como emocionalmente, mentalmente, etc.: algo ficou consubstanciado, pois temos o desejo de voltarmos a ser o que éramos (“(Que ânsia distante perto chora?)”), mas não temos os meios (“Nem rei nem lei, nem paz nem guerra...”)

O carácter épico-lírico
-          Lírico
§ Forma fragmentária
§ Atitude introspectiva
§ A interiorização
§ O simbolismo (3ªparte)
-    Épico:
§ O tom heróico (“O Monstrengo”)

§ A evocação da história Trágico-Marítima (2ªparte)´

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